quarta-feira, maio 31, 2006

43 Anos Depois: Falta Liderança em África

Por Custódio Duma*

Em virtude da passagem dos 43 anos de África, muitos textos foram escritos, muitos comentários produzidos, seminários, workshops e debates a público ou privado, no continente ou na diáspora, a favor ou contra, desiludidos ou esperançosos, mas todos em torno do mesmo assunto: África!

Na verdade o que preocupa a maioria é o futuro do continente. Para onde caminhamos e o que esperamos do amanhã. Preocupa a certeza ou a incerteza do cumprimento das metas estabelecidas pela União Africana num contexto em que os governos no poder não conseguem cumprir com os seus manifestos eleitorais ou planos quinquenais.

Preocupa a falsa boa fé e a cobarde vontade dos representantes dos Estados em mudar grandes realidades num contexto em que os menores problemas e constrangimentos dos cidadãos não são atendidos.

Preocupa ao povo africano unido no mesmo sonho de ver uma África livre da pobreza e corrupção, o grande egoísmo dos parlamentares, magistrados, ministros e até religiosos em gritarem em fóruns impróprios a favor dos seus interesses pessoais em prejuízo dos interesses públicos a que um dia juraram proteger e prosseguir.

Preocupa a falta de liderança e o excesso de poder dos nossos governantes e agentes do Estado que ignorante ou deliberadamente transformaram-se em opressores do povo e senhores do destino africano.

Preocupa também o silêncio cúmplice de quem tem os meios, a ciência e a capacidade de entender, colaborar, exigir, corrigir e sugerir. Preocupa o analfabetismo e a ignorância que proíbe a mais que metade da população de participar civilmente na vida da sua polis.

Na verdade, hoje faltam pessoas, planos, ideias e encontros que de facto têm no epicentro a mudança de estratégias, mentalidades e acções. Faltam pessoas que tenham a capacidade de influenciar as massas num sentido de desenvolvimento e justiça social. Em suma falta a liderança africana.

Realmente falta uma liderança africana capaz de conduzir o continente rumo ao desenvolvimento almejado. Para mim, pelo menos até às Metas do Milênio, já que quase ninguém entende o NEPAD e os PARPAs no caso de Moçambique.

Não querendo generalizar a situação, isto é, salvo certos focos de liderança, tanto os que estão no poder assim como os que estão na oposição, na realidade actual africana, quase nenhum cabe no conceito de líder, embora possuam e detenham a capacidade de influenciar as pessoas. São simplesmente poderosos, sem necessariamente serem líderes.

A maior parte dos dirigentes africanos possuem a faculdade e a autorização constitucionais para executarem tarefas em prol da maioria, uns o fazem e outros não. São sempre uma minoria os que realmente o fazem. Esses muitos que não o fazem, possuem a força do Estado em suas mãos, tem o domínio dos bens do Estado, têm a autoridade e a soberania, muitas vezes até o vigor físico. São verdadeiros imperadores, que de facto ignoram a sua missão e abusam do poder.

Esses são temidos e não respeitados, são venerados e não honrados, são aplaudidos, mas não reconhecidos. Os líderes não são assim, embora também dotados de poder e capacidade para influenciar as massas.

A vontade dos poderosos, o que em geral são os dirigentes africanos, é imposta aos outros, mesmo que esses outros não queiram, resistam ou protestem. Com a liderança aconteceria o contrário. Os políticos africanos procuram impor-se sem a possibilidade de desobediência, o líder não se impõe, mas tem as massas consigo.

É claro que basta ter os meios para ser poderoso, mas para ser líder é necessário muito mais. Muitas vezes já precisa nascer líder. E que mesmo em circunstâncias sem poder a pessoa permanece líder.

Já era, o tempo em que a liderança africana se fazia sentir no continente e no mundo inteiro, o tempo de Kwame Nkrumah, Marcus Garvey, Wiliams du Boys, Julius Nherere, Samora Machel, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Patrice Lumumba, Dzinga Mbandi entre outros. Já era esse tempo. E esse tempo não deixou sementes que possam brotar, porque o sangue desses foi todo derramado em conluio com seus irmãos.

Aquele foi um tempo de união, um tempo em que o sonho era a liberdade, a paz e o desenvolvimento. O líder não se surpreende, ele surpreende. O líder tem a visão do caminho em que segue, porque ele guia. O líder entende o local e o enquadra no global. Ele conhece
muito bem a sua missão e por isso os seus planos estratégicos estão perfeitamente traçados e claros. Em vez da força ele usa o exemplo, a sua vida é exemplar e com isso ele arrasta as massas.

O líder não usa o poder de forma arbitrária, não é autoritário, não é inacessível nem é distante. Não é emocionalmente descontrolado nem é dono da verdade. É seguro, trabalha em equipa e enquadra-se na conjuntura local, regional e global sem preconceitos. Não centraliza e a cada dia se preocupa com o desenvolvimento e crescimento do seu país. O líder não tem ilusões, tem visão, não procura destacar-se, mas mostrar trabalho e evolução. O líder é um estratega. Muitas vezes o líder consegue reproduzir outros líderes.

Esse é o líder que falta em África. É disso que o continente precisa para caminhar, uma liderança construtiva, que saiba adequar-se às realidades nacionais e continentais. O continente já se cansou e já se fartou de discursos.

Não se pode combater a pobreza absoluta sem a liderança. Não se pode combater a corrupção sem a liderança. O abuso de poder, a fraca administração púbica, a construção e reconstrução dos países, tudo isso não é possível sem uma liderança justa e ciente. Para que sejam produzidas e implementadas políticas públicas justas e inclusivas é necessário que haja liderança.

A União Africana necessita de líderes e não de simples dirigentes, os países africanos necessitam de líderes e não de simples dirigentes. As massas, as mulheres, os jovens e as crianças africanas necessitam de lideranças que os inspirem e os levem à luta contra o
subdesenvolvimento. É isso que o continente hoje precisa e não de discursos camuflados e escondidos no desejo de dominar, explorar e saquear.

Faltam líderes em África, mas não falta à esperança. A luz ainda vai raiar e um dia África verá o sol pela segunda vez.

*Jurista

Sem comentários: