terça-feira, setembro 26, 2006

Chicago em Maputo

Machado da Graça(*)

Aqueles que gostam de filmes de ‘gangsters’, do tipo daquela série do Padrinho e outras no género, estão cheios de sorte. Agora já não precisam de pagar bilhete nos cinemas para assistirem, regularmente, às cenas de que mais gostam.

As ruas da cidade de Maputo passaram a ser cenário de tiroteios entre ‘gangs’ opostos, que descarregam, sem piedade, carregadores de AK 47 para cima dos seus adversários.
O leitor distraído pode pensar que me estou a referir a outro filme americano, como o Diamantes de Sangue,que escolheu a nossa cidade como cenário. Nada disso, amigo leitor. Aqui a coisa é a sério e as vítimas vão parar à casa mortuária ou, gravemente feridas, ao hospital.
Só nos últimos tempos, e cito de memória, tivemos o caso do baleamento de um jovem inocente por elementos dapolícia de protecção de responsáveis. Depois tivemos a cena, completamente de filme, dos bandidos que irromperam pelo espaço da Lina Magaia, metralhando quem lá estava a descontrair. Ao que parece o alvo pretendido era um graduado da Polícia que, diz-se, andava a fazer exigências demasiadas aos bandidos para os deixar trabalharem sem problemas.
Depois foi o caso dos jovens, presos na Macia, que foram fuzilados, a caminho de Maputo, numa história muito mal contada de tentativa de fuga. Há dias um comentador perguntava como é que os bandidos conheciam os números de telefone dos polícias para lhes fazerem os telefonemas ameaçadores que eles dizem que receberam. E eu pergunto também como é que os amigos dos mortos sabiam que o carro da Polícia ia sair da estrada nacional, antes de entrar em Maputo, metendo-se por uma picada, para irem à frente preparar uma emboscada? Depois tivemos mais dois polícias, da Brigada Mambas, a serem metralhados ali ao pé da FACIM.
Outra cena de filme. E agora chega a cena ocorrida na bomba de gasolina da Matola. Segundo testemunhas contaram ao jornal O País: Um número não identificado de agentes, à paisana, fazendo-se transportar numa carrinha aparentemente de marca Mitsubishi Colt, abeirou-se de uma viatura e, de trás, disparou à queima roupa contra três ocupantes de uma viatura Toyota Avante, ostentando a matrícula da Swazilândia.
Os três ocupantes da viatura, segundo as mesmas fontes, não tiveram tempo para qualquer reacção e morreram, dentro da viatura, cada um no assento em que se encontrava. Os polícias que dispararam sobre a viatura imediatamente abandonaram o local para parte incerta.
Acontecido isto,as autoridades anunciam, triunfalmente, o abate de três perigosos cadastrados, que vinham a fugir, depois de terem tentado assaltar um banco. Só que...
Só que ninguém explicou por que razão os tais polícias, que tinham seguido os tais criminosos, quando os abateram, “depois de uma troca de tiros”, se foram embora para parte incerta. Será esse o comportamento normal de polícias nessas circunstâncias? Só que...
Só que as famílias dos mortos afirmam que duas das vítimas eram também polícias, elementos da Força de Intervenção Rápida. E aqui as coisas começam a dar para o torto. E depois aparece a história, mais completa, de dois grupos de polícias, contactados para escoltar um indivíduo que levava uma pasta com uma quantia avultada.
Segundo essa versão, os que morreram foram os efectivamente contratados para o trabalho e os que dispararam foram os preteridos por terem pedido um preço alto. Diz ainda a história que os que dispararam, antes de desaparecerem, retiraram do carro das vítimas a tal pasta com dinheiro. No meio de tudo isto assistimos ao ministro do Interior a vir à televisão apresentar versões diferentes e, aparentemente, sem que nenhuma delas corresponda à verdade.
E, mais uma vez, sentimos as autoridades do nosso País a tentarem dar cobertura a eventuais criminosos e assassinos. Quem é que informou o ministro do Interior, levando-o a fazer aquela triste figura em público? Quais os interesses de quem procura abafar uma história de “gangsters”, passada entre agentes da Polícia? O que é que aconteceu aos agentes que balearam aquelas 3 pessoas? Estão detidos? Sabe-se, ao menos, quemsão?
No momento em que escrevo não conheço a resposta a nenhuma destas perguntas. Mas que gostava de a conhecer, isso gostava. E penso que é altura de se nomear uma Comissão de Inquérito, o mais independente possível, para tentar perceber até que ponto a nossa Polícia se transformou já numa máfia sem controlo. Porque, com esta repetida tentativa de varrer o lixo para baixo do tapete, o que está a acontecer é que o lixo está cada vez mais alto e mais mal-cheiroso.
O que nenhuma sociedade normal pode tolerar, se não quiser transformar-se, a curto prazo, num país em que a lei é ditada pelos criminosos.
(*)Savana

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