domingo, setembro 16, 2007

Todos acima da Lei

Machado da Graça(*)

Retirado na sua íntegra daqui

Um dos anteriores procuradores-gerais da República ficou famoso por, a seu devido tempo, ter “declarado guerra à corrupção”. Foi uma guerra de que a História não regista um único tiro e o Dr. Mulémbwè, muito provavelmente, já nem disso se lembra, que outros valores mais alto se alevantaram, como diria o Épico.

O PGR que agora foi exonerado pelo Presidente da República também cunhou frase lapidar, que nunca mais se lhe vai esquecer: “Em Moçambique ninguém está acima da lei”. Em comum as duas frases têm não só o facto de terem sido ditas por pessoas que ocupavam o mesmo importante cargo do nosso Estado. Têm também o facto de terem ficado completamente vazias de efeitos práticos. Na verdade, o Dr. Joaquim Madeira conseguiu uma coisa notável: conseguiu, em 7 anos de mandato, não levar a julgamento um único grande corrupto, um único grande criminoso. É obra!

Não é qualquer um que consegue navegar nas águas perturbadas da nossa vida nacional durante tantos anos sem ferir um único dos interesses dos poderosos. É preciso um jogo de cintura invejável, uma enorme capacidade de fingir estar a andar, até mesmo a correr, sem sair do mesmo sítio. Antes dele tinha ficado justamente célebre por esse tipo de coisas o mimo francês Marcel Marceau. Quem diria que tínhamos, entre nós, artista de igual gabarito? Mesmo em casos em que parecia impossível não levar a tribunal casos escandalosamente públicos, como as contas furadíssimas do Ministério do Interior ou o caso das bolsas de estudo no Ministério da Educação, a Procuradoria foi ganhando tempo, na profunda atenção aos parágrafos e outras minúcias das leis, até o Dr. Madeira acabar por abandonar a incómoda cadeira, de cabeça levantada segundo ele próprio.

E a verdade é que ele se desunhou a inventar estruturas para o combate à corrupção, desde a Unidade Anti-Corrupção até ao actual Gabinete Central de Combate à Corrupção. Só que, em relação à primeira, depois de anos de preparação, se descobriu que era ilegal. E o segundo, também ao fim de imenso tempo, chegou aos tribunais para estes lhe negarem capacidade legal de acusar. De casos criminais então é bom nem falar.

O famoso processo autónomo em que é réu, entre outros, Nyimpine Chissano ficou profundamente adormecido, sem que produzisse algum efeito prático. Apesar de ser uma acusação que não admite caução, os acusados continuam a circular, dentro e fora do país, sem o menor problema. Do caso Siba-Siba Macuácua já nem se ouve falar. De vez em quando atiram-nos com a informação de que alguém foi a Portugal, ou à Malásia, para mostrar que as coisas estão a andar. Mas, para além dos aspectos turísticos para quem foi, não se vislumbram aspectos positivos para o andar do processo.

Casos como o rebentamento do Paiol de Malhazine, que abalaram (fisica e psicologicamente) a nossa sociedade passaram completamente despercebidos ao Dr. Madeira. Os preceitos constitucionais e legais sobre a responsabilidade do Estado pelos actos ou omissões criminosos dos seus agentes devem estar em páginas dos códigos por onde o anterior PGR passou de raspão, nos bancos da Faculdade.Em resumo, todos os principais corruptos e criminosos do país passaram estes 7 anos pairando bem acima das malhas da lei.

Para o substituir foi nomeado o Dr. Augusto Paulino. Há quem goste dele e há quem não goste. Eu, pessoalmente, respeito-o e admiro algumas provas de coragem que tem vindo a dar ao longo dos anos. Mas estou consciente de que vai enfrentar gigantes poderosos que não vão deixar-se abater sem luta. E que não respeitam regras, batendo muitas vezes abaixo da cintura, como dizem os adeptos do boxe. Não sei que garantias lhe terá dado o Chefe de Estado de poder exercer a sua função sem interferências do Poder politico-económico. De qualquer forma, Dr. Paulino, aqui vai um conselho de amigo: se, através da prática, verificar que não lhe permitem trabalhar da forma que a sua consciência lhe dita, não deixe isso arrastar-se ao longo dos anos, ponteados com as penosas idas ao Parlamento. Uma folha de papel com a sua demissão, devidamente justificada, é, nesses casos, a saída mais digna e coerente.

Qualquer outra atitude só conduz ao desprestígio, à humilhação e ao achincalhamento, como aconteceu aos seus predecessores. E a si eu desejaria outra sorte. E, já agora, proponho-lhe uma ida ao quintal para verificar o estado dos cajueiros. Será que não há por lá frutos já devidamente maduros para serem colhidos? Coragem e bom trabalho, Dr. Paulino.

(*) Talhe de foice

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