segunda-feira, dezembro 29, 2008

Em África não basta seguir o líder

Este artigo foi pela primeira vez publicado neste blog em 2005.

Por Simon Robinson(*),

Em termos de brutal honestidade sobre as causas do sofrimento africano, é difícil ir mais além que a obra do escritor Chinua Achebe, “Os problemas da Nigéria”.

Escrito durante a tumultuosa campanha eleitoral do país em 1983, o livro, com apenas 68 páginas, transpira frustração face aos problemas enfrentados pela Nigéria. Ler o seu conteúdo dá para perceber claramente a angústia de Achebe. O autor – bem conhecido pela obra Things Fall Apart, uma poderosa obra de ficção que, quase meio século depois da sua publicação, continua a estar no topo das listas de livros sobre África – usa uma prosa muito sincera para enviar a mensagem em Trouble. Os títulos dos capítulos telegrafam as suas opiniões: “falsa imagem sobre nós próprios”; “injustiça social e o culto da mediocridade”; “indisciplina”; “corrupção”. Achebe coloca o seu ponto de vista logo da primeira frase do livro: “o problema da Nigéria é simples e claramente um falhanço de liderança”.

Muitos nigerianos estão de acordo e africanos por todo o continente chegaram a conclusões similares sobre os seus próprios países. É por isso que, nos meados da década de 90, quando emergiu uma nova geração de líderes, os africanos tiveram a esperança que tudo podia finalmente mudar. Pessoas como Issaias Afewerki na Eritreia, Laurent Kabila na RDC, Paul Kagame no Ruanda, Yoweri Museveni no Uganda e Meles Zenawi na Etiópia prometiam um novo estilo de liderança centrado na construção económica e no desenvolvimento de nações democráticas, ao invés de impor o seu poder pela força e assegurar que os seus amigos se tornassem ricos. Quando o presidente Bill Clinton visitou o continente em 1998, ele referiu-se a esta nova geração como a grande esperança de África.

A realidade raramente iguala a hipérbole. Poucos meses depois da visita de Clinton, o Ruanda e o Uganda invadiram o Congo, a Eritreia e a Etiópia envolveram-se numa guerra entre ambos. Enquanto alguns líderes – nomeadamente Museveni e Zenawi – fizeram o suficiente para continuar a merecer as boas graças dos doadores ocidentais, mesmo eles entraram em derrapagem. Na Etiópia, Zenawi não hesitou em mandar o exército para a rua para enfrentar manifestantes da oposição protestando contra os resultados das eleições gerais realizadas em Maio.

No Uganda, um cada vez mais autoritário Museveni anunciou há duas semanas que vai de novo candidatar-se a eleições, depois do Parlamento ter eliminado as cláusulas que o forçariam a passar à reforma por limite de mandatos. O há muito esperado veredicto chegou dias depois de o seu principal opositor ter sido aprisionado, acusado de traição e violação, acusações que são negadas com veemência. As manifestações foram banidas temporariamente.

Quer isto dizer que os lamentos de Achebe continuam verdadeiros ? Nem por isso. Resolver os problemas africanos nunca foi apenas uma questão de mudança dos seus líderes. E é por isso que o desgaste de Museveni e Zenawi se venha a revelar positivo, mesmo que isso represente sofrimento a curto prazo para os seus próprios países.

É uma chamada de atenção - especialmente para os países ocidentais que tanto investiram nestes novos líderes - que instituições fortes são muito mais importantes que personalidades. Bons líderes podem tornar-se maus se permanecem no poder demasiado tempo: as falhas tornam-se óbvias; desenvolvem-se compromissos simplesmente para reter o poder; os apoiantes ficam frustados com o inevitável abrandar de ritmo das mudanças.

E não é apenas em África. Há muitos apoiantes de Tony Blair que o gostariam de ver pelas costas. O mesmo se passa com os apoiantes de Jacques Chirac e George Bush. Uma diferença fundamental é que as instituições nos países dirigidos por estes homens – o parlamento, o judiciário, a imprensa – são muito maiores que uma só personalidade e são um contra balanço contra os piores excessos. Isto ainda não é um dado adquirido em África.

Tomemos o exemplo do Zimbabwe. Há cinco anos atrás, este país tinha um dos melhores sistemas judiciários do continente. Os eleitores podiam fazer ouvir as suas vozes, como o fizeram em 2000 quando rejeitaram a proposta de Constituição apoiada por Robert Mugabe. A imprensa independente estava entre das mais destemidas de África. Nos últimos anos, contudo, Mugabe e os seus acólitos puseram a oposição de joelhos, falsificaram eleições, fecharam jornais independentes e forçaram a reforma da maioria dos melhores juizes do país. Mugabe, saudado no passado também ele como um exemplo de um grande novo líder africano, mostrou-se mais forte que as instituições do seu país.

Claro que há progresso. Os quenianos por exemplo rejeitaram a semana passada uma nova Constituição apoiada pelo presidente Mwai Kibaki – eleito há apenas três anos no meio de uma onda reformista – e que pretendia exactamente o reforço dos poderes presidenciais. (Kibaki tratou imediatamente de demitir o seu executivo). Eleitores no Gana, no Senegal e na Zâmbia elegeram partidos da oposição na viragem do século. Estas mudanças pacíficas provam que as instituições em alguns países são suficientemente fortes para sobreviver à mudança e não estão meramente dependentes, ou à mercê da personalidade que ocupa o palácio presidencial. A Etiópia e o Uganda estão muito melhor que antes de Zenawi e Museveni chegarem ao poder. A derrapagem não destruiu tudo o que de positivo fizeram estes homens. Mas o seu legado algo manchado é uma lição. “ A reputação e o feitio de um líder poderá induzir um clima favorável, mas para se atingirem mudanças duradouras, tem de haver um programa radical de reorganização social e económica”, escreve Achebe em “Os problemas da Nigéria”.

Por outras palavras, haver bons líderes é bom, mas instituições fortes é ainda melhor.

(*)In revista Time
Título adaptado

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