sábado, agosto 08, 2009

DJ’s Rajoelinas precisam-se em África

Por Francisco Mandlate

Maputo está a ser palco de uma ronda negocial, para pôr fim à crise política na Ilha do Índico, Madagáscar. Felizmente, os quatro principais actores do cenário político daquela ilha estão presentes, o que mostra que há um meio cami­nho andado para se resolver o diferendo.

Facto curioso é que os quatro líderes políticos se sucederam, to­dos da mesma maneira, através de crises políticas um tanto quan­to sangrentos, nalguns casos, ou até mesmo de golpes de estado, como é o presente caso.

Marc Ravalomanana não teve vida facilitada para chegar ao poder, depois de ter derrotado Didier Ratsiraka nas eleições pre­sidenciais, que estava pronto para fazer um golpe, mas graças à intervenção da SADC e da União Africa, com Chissano também a desempenhar um papel de relevo, Ravalomanana conseguiu o que mais queria, o poder.

Ratsiraka também vem de um golpe de estado, e agora Andry Rajoelina achou que também podia seguir o mesmo caminho dos seus antecessores, usar o golpe de estado, só que no contexto ac­tual o mesmo já não é aplicado, é o mesmo que dizer, está fora da moda.

Mas por vezes é bom entender, o que pode levar a um jovem, antigo disc jocker, DJ na linguagem corrente, e promotor de espec­táculos, a dirigir um golpe de estado.

Marc Ravalomanana é um dos homens mais ricos de Madagás­car, e como sendo presidente de um país onde a maioria do seu povo vive uma pobreza extrema, é natural, que os conflitos de in­teresses estejam aos ollhos de todos. Não duvido que foram várias as vezes em que Ravalomanana usou a sua posição de Chefe de es­tado para conseguir influenciar o andar das coisas a favor das suas empresas. Não duvido que existiram inúmeras situações de forçar a assinatura de um contrato a favor das suas empresas, ou viajar na qualidade de presidente da república, para conseguir fechar alguns acordos que beneficiassem a si e às suas empresas.

Esta é uma realidade que muitos países africanos vão enfrentan­do a cada dia. Porque tornaram-se capitalistas sem terem capital, daí que é preciso aceder ao poder político para conseguir reunir o capital. Mas isto não agrada a qualquer um que tenha um olhar atento sobre o desenvolvimento do seu país, como foi o caso de An­dry Rajoelina, um jovem que provou ser irreverente e quão forte os jovens podem ser, quando sabem aproveitar a sua juventude para servir o seu povo, como fizeram os jovens da década 60 do século passado que levaram a África à descolonização.

O presidente Ravalomanana subiu ao poder, numa altura em que o povo malgaxe esperava ver mudanças que Ratsiraka não conseguiu imprimir durante o seu consulado, mas ao que tudo indica, não conseguiu fazer mais do que os seus antecessores, e porque é o homem mais rico daquela ilha, parece que tudo o que fez foi amealhar mais riqueza para si, sem olhar para as preocupa­ções do seu povo.

O descontentamento geral que se verificou no Madagáscar e que levou Rajoelina a conquistar apoio popular e dos militares, pode um dia se verificar em muitos outros países africanos, um dos quais é a África do Sul.

Se ainda não aconteceu na vizinha África do Sul, é porque Jacob Zuma ainda está no seu tempo de graça, e porque durante a cam­panha eleitoral prometeu mudanças, mas a intolerância do povo, mostrou semana passada, que não tem tanto tempo assim para fazer mudanças. A África do Sul é um exemplo claro de que não é qualquer um que beneficia dos seus direitos mais básicos que o go­verno tem a obrigação de garantir. Um dia desses vai aparecer um “Rajoelina” na África do Sul e fazer o que todos não esperamos, um golpe de estado ou mesmo uma grande surpresa nas eleições.

O Zimbabwe é outro país da região que já mostrou, e, está a vi­ver momentos penosos provocados pela ganância dos seus líderes. Robert Mugabe, se não fosse, pela ajuda dos seus amigos da SADC estaria hoje um coitado exilado num país da região, mas também não lhe resta muito tempo assim, porque Tsivangirai está a mos­trar que tem talento para ser presidente daquele país, a não ser que Mugabe aproveite o governo de transição para se manter no poder até à sua morte, porque caso contrário, toda a humilhação que submeteu ao seu povo vai um dia virar-se contra ele.

Angola é o outro país da região que tudo parece estar bem. José Eduardo dos Santos, vai entretendo os nossos kambas com obras de vulto, financiando um milhão de casas aqui, acolá. Mas já há pessoas que estão descontentes. Como é que um presidente de um país que esteve em guerra durante vários anos, tem 78 milhões de euros congelados na Suiça, e mesmo assim, a sua vida continua “a grande e à francesa”? A família do Zedú é dona de quase um pouco de tudo em Angola, incluindo a grande Unitel, equivalente à nossa Mcel, fora de outros grandes projectos de vulto.

Moçambique também está na lista destes países africanos cujos líderes políticos, libertadores da pátria estão a usar o bem comum para encher os seus bolsos. O engraçado é que todos eles, quan­do ainda tinham o entusiasmo do poder, com as independências, defendiam com unhas e garras o socialismo, chamavam os capi­talistas de exploradores do povo, de sanguessugas. Hoje viraram o casaco e dizem que têm direito de serem ricos, porque deram a sua juventude para libertar o país, isto segundo as palavras do general Alberto Chipande, o homem que deu o primeiro tiro às zero horas, do dia 25 de Setembro de 1964, contra a casa do chefe administrativo de Chai, em

Mueda, marcando assim o início da luta Armada de Libertação Nacional.

Só que o general Chipande, pessoa a que todos os moçambi­canos devem muito respeito, esqueceu que não só foram eles, os dirigentes de primeira água, que deram a sua juventude pela li­berdade desta nossa Pérola do Índico, há milhares e milhares de jovens que lutaram por este país, alguns dos quais ficaram mutila­dos, mas que vivem do pão que o diabo amassou. Alguns dos quais vêm o dia amanhecer e a pôr-se, sem saber o que vão comer, mas porque não estiveram na linha de frente, parece não terem direito a serem ricos.

Nós tal como aqueles homens queremos ser ricos, porque somos moçambicanos, contribuimos para a riqueza deste país. Concordo que nada deva faltar os ícones da nossa liberdade, pelo mérito de terem dirigido a luta de libertação nacional, mas não concordo que sejam os donos da riqueza nacional, que é conseguida através do uso de dinheiro que nós contribuimos para pôr a máquina go­vernamental a funcionar, e aquilo que os povos, amigos de Moçam­bique dão ao país para combater à pobreza. Digo isto porque não consigo entender onde é que os senhores buscaram tanto dinheiro para investir em tantas empresas que têm, e que dinamizam a eco­nomia deste país, porque durante os primeiros 15 anos da nossa independência os senhores eram contra a acumulação de riqueza por parte de um punhado de gente, os senhores defendiam a dis­tribuição equitativa da riqueza nacional, onde encontraram tanto dinheiro assim, e de um momento para o outro?

Não podemos nos esquecer que, se um dia descobrimos que os colonos nos usavam para enriquecer o seu país, Portugal, um dia alguém vai entender que os nossos governantes estão a usar os nossos recursos para se enriquecerem.

Pessoalmente não sou a favor de golpes de estado, porque acho que o país não pode ser como é Guiné-Bissau, mas se esse é um ca­minho para repôr a ordem social, política e económica num país, que seja. Os moçambicanos nunca foram a favor de guerra, mas tiveram que recorrer às armas para pôr fim à colonização que du­rava há 500 anos. Que os actuais governos africanos não se esque­cem que tudo um dia acaba!

Hosi katekissa África!

Fonte: O País online

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