terça-feira, novembro 17, 2009

ERA UMA VEZ UMA UNIVERSIDADE CHAMADA MUSSA BIN BIQUE

Por Viriato Caetano Dias

“Um castelo sem rei, uma ilha sem mar, uma ponte sem rio.” Dito popular Alentejano.

Quanto a Universidade Mussa Bin Bique o cenário é este: um reitor sem universidade, uma universidade sem instalações, um currículo sem alunos.

A presente reflexão surge de uma reportagem divulgada no Correio da Manhã, na edição nº 3193 do dia 13/11/09 com o tema: “Caos na Universidade Mussa Bin Bique”. Uma reportagem que me fez recuar no tempo e no espaço – aquela província que eu amo em todos os sentidos e que faço dela a minha terceira base, depois de Maputo, e Tete, esta última minha terra natal. A Província de Nampula é, em si, um museu da História Nacional. Um museu a céu aberto que vale sempre a pena visitar. Um museu, diga-se de passagem, carregada de histórias más e boas (também não conheço outra finalidade de um museu de História Nacional que não seja a exposição de acontecimentos bons e maus). A História, aliás, não é mais do que o somatório de coisas boas e más. É também conhecida como a terra das “muthianas orera”, embora “muthianas orera” sejam todas as mulheres moçambicanas.

Lembro-me de como reagi quando me disseram que aquele “edifício” em minha frente – aquilo não é nenhum edifício, mas sim uma residência familiar em alto estado de usura – funcionava o campus da Universidade Mussa Bin Bique. Confesso que fiquei profundamente indignado com a realidade que me tinham “obrigado” a aceitar. No mínimo, acho eu, qualquer cidadão tem o direito a boa vista, a boa estética. São princípios básicos do património e da arte. Mas esta é uma outra história que não quero maçar ao leitor, será discutida ocasionalmente.

Mas como é que uma universidade pode funcionar numa residência familiar e naquelas condições de autêntico improviso mental? Ao lado da universidade, digo, da moradia, para além de estarem outras habitações do género, encontrava-se (pelo menos até à data do meu desembarque em Portugal) uma bomba de gasolina. Um delirante desses que vemos no Iraque / Afeganistão e por ai em diante com nicotina na cabeça pode muito bem causar vítimas humanas a lamentar. “Estudantes da Mussa Bin Bique em Nampula assados pelas chamas de uma gasolineira” seria o título desse telejornal (que o diabo maldito seja surdo e mudo). Nem mesmo a FIR que se encontra instalado nas proximidades da UMB (sigla da Mussa Bin Bique) escaparia a tragédia.

Uma moradia é sempre uma moradia. Um edifício é um edifício. Que não haja confusão. Imagina agora o leitor uma universidade a funcionar numa vivenda familiar. Sem espaço, sem condições de salubridade, enfim, estavam lá, na altura em que vivi em Nampula, a frequentar a UMB mais de quatro centenas de estudantes. É assim que queremos que o país ande para a frente quando as nossas universidades funcionam a meio gás. Nem mesmo o arrendamento de um escritório das Obras Públicas foi capaz de mitigar o sofrimento dos estudantes e do corpo docente. Percebe-se agora o porquê dos nossos doutores e engenheiros, na sua grossa maioria, ocupam os melhores lugares no ranking dos títulos com défice académico. Estamos na cauda, apesar da nossa nata científica ser boa. Que miséria cerebral.

Um “chamuale” (amigo meu) que me servia de GPS para me indicar as vias das principais artérias da capital do Norte, perante o meu pasmo (visível na cara), sem papas na língua, disse-me: “Já sei o que se passa na sua cabeça. Esta a rir esta comédia da UMB. Será que o Muna (é como sou chamado em alguns círculos de amizade) não sabe que as universidades no nosso país funcionam em regimes de turnos? Eu explico-te. Uma vez que elas não tem onde colocar os seus estudantes, porque garagens e dependências foram todas ocupadas pelos nigerianos, congoleses, zimbabweanos, somalianos, tanzanianos, etc., os putos lá na escolinha são obrigados a conviverem com os futuros doutores / engenheiros no mesmo recinto escolar e, por vezes, na mesma carteira (daquelas que herdamos dos nosso avós), mas com finalidades diferentes. Ou seja, os primeiros (os “putos”) têm a vida facilitada com a passagem automática, já os aspirantes à classe dos doutores / engenheiros bastam-lhes o sacrifico de cumprir três anitos de escolaridade zás tornaram-se em senhores intocáveis. Mal daquele que se esquecer em colocar o prefixo “Dr” ou “Eng.º” antes do apelido de família, recebe logo um chega para lá senão mesmo um pontapé. Em alguns casos, menos grave, “os putos” são obrigados a irem mais cedo à casa para ceder lugares aos “cotas”. Aqui na Mussa Bin Bique, infelizmente, a realidade não foge à regra. É a mesma coisa. A madeira que a província possui é toda ela exportada para a China. Os estudantes universitários, se o Muna não sabia, sentam-se no chão. Os professores são supersónicos tal e qual aqueles aviões mais velozes do mundo. Será que lá de onde o Muna vem (acabava de chegar do Maputo) as coisas também funcionam assim?” Finalizou. Que santa ignorância do meu amigo, os tais aviões nem sequer existem mais. Foram banidos por falhas técnicas na sua construção! Foi só um pensamento, que mal soltei.

Não lhe respondi nem “A” nem “B”. Limitei-me a dizer-lhe o que eu sabia, que não há regras sem excepção. Mas também estava ciente dos problemas da minha estimada UP -Universidade Pedagógica. Acabava de me aborrecer com a UP pelo facto do seu então reitor, o Dr. Carlos Machili, na véspera da sua despedida tinha desencadeado uma autêntica revolução que deitou abaixo a credibilidade da instituição. Numa turma concebida para 45 estudantes encontravam-se o dobro, por vezes, o triplo. A própria concessão da UP, vocacionada para a formação de professores, tinha descoberto a reitoria outra vocação, a de enriquecimento. Cursos que nada tinham a ver com a instituição foram criados, estudantes satélites existiam em números indescritíveis, materiais de ensino eram uma miragem a ponto de haver em toda a delegação de Nampula apenas 1 único livro da História de Moçambique. Não sei em que pé está hoje a UP Nampula e Maputo, mas quero felicitar alguns dos seus docentes que foram uma autêntica “salva-vidas”. São eles os Doutores Francisco Zacarias Mataruca e Hipólito Sengulane, este último actual Director da Faculdade de Ciências Sociais. Há mais! O que não posso é citar todos os “bombeiros” e salvadores das honras da casa.

Tive noites de insónia porquanto julgava que o MEC (Ministério da Educação e Cultura) não tinha conhecimento daquela universidade, ou melhor, das condições que eu acabava de ver as quais me recusava em aceitar. O conhecimento – esta vacina que cura todos os males que infesta impiedosamente o país, nomeadamente a pandemia da Sida, a erosão mental de alguns políticos e não só, a cólera, etc.) – parecia estar a ser a ser tratado como mercadoria e transmitido como se fosse alimento pronto para a refeição. É uma dúvida que ficou porque, confesso, não cheguei de “furar” aquele corredor humano que dão acesso aos quartos, perdão, às salas da vivenda, digo, da UMB.

Concordo que uma universidade não necessita de ter um campus universitários para funcionar em pleno (dependendo de casos), até porque actualmente muitas são as universidades espalhadas pelo mundo inteiro que leccionam à distância, por correspondência, tanto quanto os tribunais por falta de “espaço” fazem os seus julgamentos em espaços públicos, em escolas, etc. Aceita-se que uma universidade (não é o caso da UMB) sem campus universitário possa existir e funcionar em pleno. Não vejo nenhuma inconveniência nisso. O que é deplorável e inaceitável é ter no país uma universidade que funciona numa vivenda familiar. Isso passou a todas as marcas. Não foi para isso que a UMB foi autorizada a funcionar, para dar diplomas à toa. É uma aberração.

O ainda Ministro da Educação e Cultura, Dr. Aires Ali, apesar do seu esforço abnegado em arrumar a casa, tentando corrigir os erros dos seus antecessores, esforço esse que não encontra êxito porque alguns dos seus “fiscais” vão enchendo a pança a troco da incompetência daqueles quem tanto mal fazem ao país. Pergunto se os inspectores concordam que uma universidade deva funcionar numa garagem de viaturas? A menos se lá estivessem a estudar os seus filhos. A inspecção não funciona, começa e termina nos aeroportos quando (dai) recebem encomendas chorudas dos tais violadores da lei. Um relatório improvisado é coisa que não custa muito fazer. Em Moçambique, parafraseando o escritor Daniel da Costa, faz-se primeiro o check-in e só depois é que a mala é arrumada. Ou seja, aprova-se a funcionalidade de um determinado estabelecimento de ensino e só depois, nunca antes, é que são exigidos os requisitos. Inimigo do progresso científico e do povo é o adjectivo correcto a dar a esses inspectores malandros.

Sempre defendi e defendo que o MEC não deve funcionar em função da realidade alheia. Cometemos muitos erros porque não são feitos estudos de base, quer dizer, de viabilidade. A passagem automática e o processo de Bolonha, modesta à parte, um processo que eu conheço e domino, por exemplo, são sem dúvida uma mais-valia para o país, mas não são exequíveis numa sociedade como a nossa em que falta praticamente tudo, equipamentos, professores qualificados, materiais de ensino, etc. A pouca qualidade de que dispomos não é motivo para nos enlaçarmos num projecto deste. A ideia de que os erros se tornam perfeitos com o tempo, tal como o amadurecimento do vinho, já não serve. É preciso corrigir os alicerces de baixo sob pena do tecto se desmoronar com o tempo. Na verdade é o que se vê, pequenas tempestades não deitam abaixo aquilo que se constrói com o tempo e sacrifício, pelo contrário, são as obras improvisadas que mais sofrem. E ainda há quem chame de primatas os velhos do campo!

A Universidade Mussa Bin Bique veio mostrar ao pelouro da educação que há falhas graves no que concerne à inspecção. Não houve rigor na aprovação daquela universidade. Uma universidade que o reitor é um comerciante de radjá “made in Moçambique”, produto nacional e com selo e tudo. Não se conhecem os docentes, nem o futuro dos estudantes. É tudo salve-se quem puder. O que conta é o canudo. O resto que se lixe. Há que colocar um freio naquilo. O meu lamento vai para aqueles estudantes que com o mísero salário mínimo nacional, deles e/ou dos seus encarregados de educação, pagam as propinas e as mensalidades para realizarem um sonho comum: tornar Moçambique melhor!

É assim que queremos vencer a pobreza absoluta?

PS1: O Bairro Francisco Manyanga na Cidade de Tete está de luto. Morreu Sérgio Vicente, um jovem amigo com quem partilhei a minha juventude na Rua Emília Daússe. Amava a vida como ninguém e sabia transmiti-la a quem pelo cansaço dos mistérios do sofrimento via no stress e na frustração uma maneira de viver. Um amigo sempre presente e de coração aberto. Sportinguista nato (foi o nosso único desacordo, sendo eu do Benfica), mas não vicioso. Não o sabia doente. Só a distância entre Moçambique e Portugal onde me encontro a estudar que impede de regar às flores da tua última morada. Sei que me tens comigo onde quer que tu estejas. Até breve amigo Sérgio!

PS2: Em memória de Sérgio Vicente e como forma de chorar a sua perda, não haverá nos próximos 30 dias o espaço “PS”. Junto minhas às lágrimas dos habitantes do Bairro Francisco Manyanga, e a família enlutada vai o meu profundo pesar.

PS3: Por último e como não podia deixar de ser, uma felicitação especial aos “Mambas” pela vitória de 1/0 frente a sua congénere da Tunísia. Quando a atitude e a responsabilidade, associado ao trabalho árduo, são chamados a impor-se face a um determinado objectivo, os resultados são sempre positivos. Assim foi, venceu o trabalho e o orgulho nacional. Até no CAN de 2010.

Zicomo kwambiri (muito obrigado)

19 comentários:

Nkutumula disse...

Tatenda

Jonathan McCharty disse...

A Bin Bique e' o exemplo de uma universidade que nao devia ser!!
O pais e' "pobre", sim senhor, como gostam de apregoar, para encobrir a mediocridade!! Mas ao MEC, espera-se, nao so, que ele enforce "thresholds" minimos,mas que aprove e monitore um "plano de accao" para a evolucao de instituicoes deste genero!!
Instituicoes de ensino superior, nao diferem de qualquer outra "enterprise"! Elas sempre comecam de uma fase humilde e, com o trabalho abnegado e visao dos seus gestores, vao evoluindo no tempo! Nao precisa ir muito longe! Olhemos aqui, para outros casos domesticos: ISPU!! Alguem se lembra, onde funcionava o ISPU? Ocorrem-me a mente, 2 locais: Uma "moradia" proximo do mercado Janet e umas instalacoes improvisadas nas traseiras do SNJ. Hoje, aquela instituicao tem instalacoes, dignas desse nome!!
A Bin Bique padece de ter gente incapacitada e sem visao, na sua cupula directiva! A instituicao para alem de pagar mal aos seus docentes, estagnou-se na mediocridade em que comecou!! Conforme disse, um inicio humilde, nao e' o problema!! Mas e' preciso mostrar capacidade e accoes concretas para tirar a instituicao do lodaçal em que se encontra fundada!!
Para mim, a accao dos estudantes e' de todo justa e peca apenas por tardia!! Se a Bin Bique precisa de mudancas significativas, e' dela propria que essas coisas irao acontecer!! Nao serao os estudantes da UEM a marchar ou reivindicar pela UMB! O mesmo e' valido para os mocambicanos que andam a reclamar da comunidade internacional, por ser complacente!! Se quisermos mudancas, nos mesmos, e' que as devemos fazer acontecer!! "The cavalry won't come"!!

Viriato Dias disse...

Jonathan,

Excelente comentário.

Um comentário, diga-se, progressista!

Abraços

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