quarta-feira, agosto 25, 2010

"Eu quero os meus heróis"

GENESMACUA de: Sebastião Cardoso

Eu quero os meus heróis. Gungunhana, era neto de Soshangane, um general zulu que se revoltou contra o Imperador Tchaka.
Derrotado por este, em 1819, foge com o seu exército para Moçambique, subjugando, submetendo e absorvendo numerosos povos especialmente na área costeira desde o Limpopo ate ao Save, fundando, assim, o Império de Gaza. Humilhou, varias vezes, os portugueses, conquistando Lourenço Marques e Inhambane. A questão aqui é: Soshangane pode ser considerado uma figura da nossa Historia com que papel? Invasor zulu ou fundador machangane? Morre em 1858, sucedendo-lhe Muzila.
Vou saltar Muzila e escrever um pouco sobre o neto, Gungunhana, cuja fama ultrapassou fronteiras.
Após a morte de seu pai, em 1884, não sendo ele o legitimo herdeiro, assassina o seu irmão e obriga os outros dois a fugirem para o exílio.
Um fratricida no poder...arrepiante mas, nenhuma novidade na História do mundo.
Iniciam-se, 10 anos de terror, especialmente entre as populações. Até hoje, estranhamente, até os maronga e matswa partilham ressentimentos e, dificilmente, se identificam com os machanganes. Porque com as duas potencias estrangeiras interessadas na região, Gungu ia fazendo acordos, que nunca cumpria. Os portugueses davam-lhe aguardente e os ingleses libras de ouro.
Existem registos de algumas batalhas contra os portugueses, sempre com o heróico povo maronga na linha da frente, mas o balanço é francamente negativo, contrariamente ao seu avô. Chegou a ser nomeado Coronel do exercito português, recebeu a farda e uma bandeira!!! Pouco tempo depois, queimou estes dois símbolos de submissão, invocando que passavam doenças venéreas as suas mulheres.
Hilariante.
Jogando com um pau de dois bicos, ora juntava-se aos portugueses, ora juntava-se aos ingleses e manteve-se no poder até 1895.
E' abandonado pelos ingleses, cansados das suas qualidades camaleonicas e as atitudes de alcoólatra teem como consequência um exército completamente fragmentado, esfomeado e desmotivado.
Chegando esta oportunidade, os portugueses, comandados por Mouzinho de
Albuquerque ( o que levou tareia em Nampula) marcham em sua perseguição e
capturam-no à mão, em Chaimite, local sagrado onde seu avô estava sepultado.
É exibido em Lourenço Marques como troféu às populações, num acto politico de
vitoria.
Dão-lhe o estatuto de prisioneiro politico, enviam-no para Lisboa com as suas 7 mulheres e um cozinheiro. Ali, é, novamente exibido em público com a mesma finalidade política. O Leão de Gaza, está horrorizado. Chora, manda-se para o chão, promete o que já não tem: ouro, marfim, escravos, mulheres e terra em troca da sua liberdade. Nesta altura, encontrava-se debilitado e foi tratado num hospital de Belém com regalias de oficial.
Não sabia que o seu futuro, até nem seria muito mau.
É enviado, em Junho de 1896, para as paradisíacas ilhas dos Açores, sem as 7
mulheres, devido a intolerância pela poligamia, mas com o seu cozinheiro e dois companheiros que sempre se portaram com dignidade. Com ordens bastante terminantes de ser absolutamente respeitado, vive com uma reforma de oficial, em crescente liberdade, alimenta-se a base de carnes e embriaga-se regularmente com vinhos do Porto e da Madeira, visita semanalmente o bordel da cidade, caca coelhos no monte Brasil e como hobby faz cestos de palha que vende a população local. Passados 10 anos, em 1906, morre alcoolizado, alfabetizado e baptizado com o nome de Roberto Frederico Gungunhana.
Se fosse possível, hoje, teria a curiosidade de lhe perguntar:
- Beto, o que gostaste mais? Os 10 anos de Leão de Gaza ou os 10 anos nos Açores?
A saga de Gungunhana ainda envolve um último acto. Num acordo entre Machel e
Ramalho Eanes, uma urna contendo areia do local onde foi sepultado, com o peso de 225 kgs é trasladada para Maputo.
Em Junho de 1985, 79 anos após a sua morte, o Leão de Gaza ou Roberto Frederico Gungunhana, não sei, é recebido em Maputo com honrosas cerimonias de herói nacional e consegue, finalmente, a proeza de entrar na Fortaleza da ex. Lourenço Marques, tendo como companhia a estátua do homem que o apanhou à mão, Mouzinho Albuquerque!!!
Eu quero os meus heróis.
Há sete instituições de ensino superior em Nampula!!! Não há nenhum departamento que pesquise e investigue História?!
Por favor, dêem-me os meus heróis.

WAMPHULA FAX in Moçambique para todos– 25.08.2010

11 comentários:

Heyden disse...

Esse passado explica porque ate agora presidentes tem sido machanganes e de gaza. La na minha terra, muito antigamente, para se ser regulo duma regiao, tinha que se ser um escravo, ou prisioneiro, nao pertencente a tribo. Quando nao existisse esse individuo entao recorria-se a um orfao de mae e pai. O rationale disso era que assim se evitava que o regulo perdesse autoridade quando fosse da familia, prevenia-se que andasse toda a hora a perdoar criminosos por serem seus familiares directos. Assim, por tradicao, era preferido um estranho do que um conhecido para assumir cargo de regulo. Contou-me minha avo quando lhe perguntei quem era aquela senhora que se chamava piamwene na nossa familia (regula). Afinal, a historia dela era bastante estranha, familia dela tinha sido prisioneira da nossa em guerras tribais entre macuas 'amugovola' (eu) e macuas de cabo delgado (ele). Assim, aquela senhora nas suas veias nao corria mesmo sangue que nos, ou seja, nao era por assim dizer, da nossa linhagem. E por essa razao, os filhos progenidos por elas podiam ser regulos da nossa famila. Historia interssante, suponho que nao esteja escrita em nenhum lugar.

Reflectindo disse...

Caro Heyden,

Essa é realmente história interessante e digamos que essa racionalidade já não existe, olhando pela forma como se fazem promocões hoje em dia. Paradoxalmente, essa racionalidade aplica-se na Suécia. Nos finais da década 90, por exemplo, uma ministra tinha que demitir-se quando comecou a namorar com o ministro das financas. Não houve ilegalidade nem escândalo na relacão entre eles, mas havia uma questão de princípio: como o ministro de financas trataria todos os ministérios por igual e com transparência? Não iria ele alocar mais recursos financeiros para o sector do amor em resultado de conversas? Então, o princípio é que se há lacos que por natureza humana podem criar problemas de transparência, um deles tem que se demitir.

Danilo Sergio Pallar Lemos disse...

Parabêns pelo relato histórico, de cunho politico e organizacional, pois como um admirador do povo de Moçambique sempre valorizo muito seus acontecimentos.
www.vivendoteologia.blogspot.com

Reflectindo disse...

Caro Danilo

Muito obrigado pelo comentário e comente sempre que possível.
Tenho visitado o seu blog sempre que posso.
De facto, o relato do Heyden é interessante e de certo modo importante para o fortalecimento institucional em Mocambique. Neste momento, o grande problema em transparência reside nas chefias com base nos laços familiares ou de amizade e até de certa forma na pertença de uma rede. Exclue-se a competência profissional ou só ela não é suficiente.
Gostei bastante de saber que esta tradição existia.

Um abraço

Reflectindo disse...

Heyden,

Alguma vez leste este artigo; Uma democracia pousada nos escombros de uma sucessão dinástica de séculos.?

Parabéns pelo sucesso de hoje!

Heyden disse...

Mano Reflectindo,


Nao conhecia este texto que me propuseste leitura. Tocou-me um pouco. Ja comeco a notar uma aparencia semiotica da figura de samora com a de gungunhana. Pior com aquelas barbas. Entao por isso qu samora exigiu a extradicao do corpo de gungunhana a mocambicana. Se calhar devia estar a ter pesadelos e julgou que antepassados estavam a exigir e nao por simples patriotismo. Tamos lixados.Mas tambem, os Portugueses devem ter tido uma culpa nestas coisas. Como esse gungunhana conseguiu extender seu power para centro ate norte.

Anónimo disse...

Devo dizer que é falsa esta teoria que se desenvolve aqui de que os Xanganas são provenientes da África do Sul. Os xanganas são também conhecidos por Tsongas e vivem no território de Moçambique há vários séculos.

É bizarra a "teoria" de que os rongas e matswas não se dão com os Xanganas.

Reflectindo disse...

Caro anónimo,

1. Como vês, quem escreveu o artigo assinou o seu nome e é SEBASTIÃO CARDOSO.

2. O autor escreveu para um jornal como vês na referência.

3. O autor questiona investigação pelas universidades, sinal de que ele quer frontalidade com argumentos.

4. Neste contexto, não entendo porquê te escondes atrás do anonimato querendo confundir-nos como quem diz alguma verdade para contrariar o que Sebastião Cardoso escreveu?

5. Não é mau o que fazes algo que me parece estares a contrariar o que mesmo consta nos livros de história?

AVISO: se não te identificas bem, retiro (sou dono deste blog) os teus comentários ainda que reconheças que não contribues em nada.
Publiquei este artigo aqui no Reflectindo para promover um debate sério, para ouvir argumentos e contra-argumentos dos historiadores e outros intelectuais.

Anónimo disse...

Caro Reflectindo,

Estive no aeroporto na "sala de trânsito", durante a chegada "dos restos" do "Leão de Manjacaze".
A "porta", ou seja a porta do porão lateral-baixa do avião DC10, demorou cerca de dez minutos a abrir-"ficou avariado ou encravou-se" aparentemente sem nada que justificasse. .
O vox populis comentava.
O Presidente Samora, com um ligeiro sorriso, comentava ao Presidente da AP, Marcelino dos Santos, e este, riu a bom rir.
Quando conseguiram tirar o "féretro", colocaram a bandeira da RPM.
Nisso começou a haver um "mini-tornado" poeirento-há mais de 20 metros que passando perto do DC10 local, "sugou" a bandeira nacional da RPM por cima do "féretro", pondo funcionários da LAM e a segurança do PR Samora Machel (o PR só dizia-"estão a ver,hein!", apontando com o indicador), a correr atrás da bandeira.
O Vox populis comentou..."já chegou o "Leão de Gaza", e quem o desprezar, e não respeitar convenientemente , pouco tempo de vida terá, - diziam os "mais velhos" em relação ao "Leão de Gaza", à volta da fogueira".
Foi uma chegada a "Rei", sem "TSEMBE" (falta de respeito) com coisas esquisitas, mas justificadas na nossa mãe África, como mau agoiro.
Sobre o "domínio", isto é dos régulos, Mfumos e Sapandas, o que o Sr Heyden descreve, acontece em muitas regiões de Moçambique.
Foi o princípio aplicado por Tchaka, que presumo ter recebido lições de algum prisioneiro estrangeiro, e que implementou, para melhor controlar as hostes, e "eliminar" competidores-hábito pouco esquecido até aos dias de hoje, muito baseado na "inveja".
Aliás, próprio do ser humano, porque faz também parte do desenvolvimento, que sem competição, estaria tudo estagnado.


Zacarias Abdula

Noto que existe actualmente a "rainha de Chiwane-Chiloane" é errada.Deveria ser princesa, porque existiu no século XVI, XVII, e era sarracena-mestiçada de árabe.

Reflectindo disse...

Caro Zack

Que bom ouvir dos acontecimentos aquando a chega da urna com restos do Leão de Manjacaze!

Quantos ao acréscimo dos princípios e regras para indicacão de mwenes, existentes desde os tempos que já lá vão em Mocambique, constitue um sinal que transparência não coisa estranha na nossa sociedade. Afinal não nada uma importacão. O mesmo tenho pensado em relacão às regras democráticas, pelo assisto quando estou lá na aldeia.
O falta é a vontade para resgatar tudo isto.

Heyden disse...

Nao e fundamental o debate de onde provem os Machanganes. Se eles nao provem da Africa do sul de algum lugar eles provem. Todas as etnias mocambicanas provieram de algum lado, umas mais cedo do que outras, mas de algum lado certamente provieram como resultado de imigracoes seculares. Os 100% nativos esses ate nem teem representao no parlamento se bem que existem algures. O mais importante e que deveriamos respeitar as regras de jogo democratico e deveriamos celebrar as diferencias etnicas - tranformar a variedade como um bem cultural e nao dizer ou pensar que, eu sou xangana, descendente dos reis, portanto, deveo ser eu a dirigir este gabinete. Que brincadeira e essa? Ja notei esse comportamento em muitos colegas de trabalho mesmo ate que nao sibam fazer o tal trabalho. Uma lavagem cebral e necessaria. Mocambique e pertenca de todos, irrespectivamente da lingua, cor, filiacao politica, sexo, ou localizao geografica.