sexta-feira, outubro 28, 2011

AINDA SOBRE AS LÁGRIMAS DE MANUEL DE ARAÚJO

 (RESPOSTA AO AUTOR)

Por Gento Roque Chaleca Jr., em Bruxelas

“A História não atende os gostos e desgostos dos seus censuradores.” Excerto de uma conversa com amigos.

No Canal de Moçambique (Jornal Semanário n° 116 - de 5 de Outubro de 2011) está inserido um artigo de opinião de um conhecido Autor das livrarias moçambicanas sob o título: “Sobre “a compaixão”, “a bondade”, e “a heroísmo” de Bonifácio Gruveta”. Nesse artigo, sem referir claramente o meu nome, o Autor debica parte da minha lavra publicada primeiramente por esta gazeta aniversariante Wamphula Fax (edição n° 1433 – de 30 de Setembro último), dedicada à análise circunstancial dos comentários sobre as lágrimas do Dr. Manuel de Araújo, e que, por força da História Comparativa, exumei da memória uma passagem de longas tardes de convívio com o saudoso Dr. David Aloni a propósito do general Bonifácio Gruveta Massamba (que Deus o tenha), acusando-me de impostor além de uma “rajada de tiros” disparados contra o finado (Gruveta).

De honra ferida e credibilidade posta em escrutínio da opinião pública (será que o Chaleca mentiu?) decidi responder. Ainda pensei em fazer valer o velho ensinamento aprendido da sabedoria filosófica dos anciões da minha povoação, na localidade de Chivule, na outra margem do Grande Zambeze, que preservo e recomendo: “A estupidez não se milita, afasta-se”. Mas como saberia que o prevaricador redimiu-se do seu berço da estupidez, perfilhando Cristo, decidisse oferecer-lhe a outra face? E a minha honra, onde ficaria? Não! Não senhor! Com a honra não se brinca, uma vez suja jamais será limpa pela “lavandaria da consciência” (tempo). Os Chivulenses sabem a importância que os Chalecas dão a palavra "honra".

A estupidez não só foi dirigida a mim, mas também a um morto (Bonifácio Gruveta Massamba). Uma das habilidades de um “cão” (desta vez é o cão mas podia ser qualquer outro animal, não é Alberto Viegas?) é morder suas vítimas por trás. É uma atitude feia e imoral servir da coragem que se tem para atacar a um morto, por mais repugnante que tenha sido o passado político desse morto. Também não me parece ser filho de boa gente quem ande por aí a saldar suas dívidas com os mortos, apedrejando-os no eterno sono. Ainda que o duelo entre ambos não tenha sido encerrado no “ringue da vida”, provavelmente por morte de um dos pugilistas, a acção do revoltado não seria menor do que o mal cometido pelo morto. A verdade, porém, é uma: “Não faça aos outros aquilo que não queres que te façam”.

Estando certo que neste “teatro real” que algum espertalhão na sua pura malandrice apelidou de Mundo, o Autor não é imaculado de erros e nem quereria (com recurso a anestesia ou sem ela) ser apedrejado por quem quer que fosse, como o fez em seu artigo de “ajuste de contas” ao general Bonifácio Gruveta. Neste prisma, pode sim, caro Autor, ter-me como advogado do “diabo”, mas antes, lembre-se que “Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!” (João 8:7).
Não julgue, portanto, V. que o autor destas linhas não têm mazelas causadas pelas mordeduras das mandíbulas caninas do partido do general Gruveta, apenas porque não faço das minhas cicatrizes matrículas de veículos. Quem verdadeiramente conhece o meu passado e o passado dos meus ancestrais sabe que a nossa existência (para os que não puderam escapar, que Deus os tenha) atribui-se a uma providência divina. Mais da metade dos bens da minha família (adquiridos com muito sacrifício e justiça de trabalho) fora usurpados pelo “antigo regime” em nome do Comunismo, além de que nas gavetas da minha memória contam-se ainda duas prisões em comum: a primeira, a de meu progenitor, que fora preso num calabouço subterrâneo onde permaneceu incomunicável durante largos meses e condenado a fuzilamento (ainda hoje guardo o nome do "juiz" que o julgou, era antigo "aprendiz" de meu pai; a segunda, a de um tio meu, irmão mais novo de meu progenitor, que fora parar no “Campo de Reeducação” de Niassa, também condenado a fuzilamento, pelo tribunal militar de então, e por incrível que pareça, este último coabitou na mesma masmorra com o casal Urias Simango e Joana Simeão.

Na verdade, nem um nem outro escaparam da agulha picante do “antigo regime”. Livres de fuzilamento, por providência divina, ainda assim não foram poupados pelas “rugas e rusgas” do “antigo regime” porque o sistema queria a mostrar a TODOS (incluindo aos próprios carcereiros da liberdade alheia) a sua musculatura militar. Quando não fossem os pais eram os filhos a carregarem a cruz no ‘Monte Chivule’. Dizia-se na acusação a que tive acesso que a família Chaleca era reaccionária da pátria. De facto, há vivos literalmente mortos! Mas isto, caro Autor, não faz da família Chaleca rancorosa contra as “guaritas” do partido de Bonifácio Gruveta, até porque, um cristão deve saber afogar suas mágoas na oração e não ser, ele próprio, uma comarca.

A família Chaleca continua a ser a mesma, trilhando, como sempre o fez, os caminhos da paz e do perdão, mesmo quando os nossos “talhões corporais” eram regularmente visitados por chicotes de todos os tamanhos e medidas pelos milicianos do partido do general Bonifácio Gruveta. “Não vamos esquecer o tempo que passou…”. Gostaria que o Autor me esclarecesse em que Hollywood (se não for uma fértil imaginação do Autor) teria ido buscar a película que exibe a "ficção" da minha relação com o partido do falecido general Bonifácio Gruveta ou com o próprio (Gruveta). Não é dos Chalecas virar a casaca.

Deixe-me desfazer-lhe um equívoco: não conheci o general Bonifácio Gruveta, assim como não conheço o Dr. Manuel de Araújo. Tanto um como outro, que, aliás, o Autor no seu artigo de opinião interliga como sendo meus amigos, extraviando a verdade, o conhecimento que tenho deles é por via da imprensa. Serve, portanto, este esclarecimento para enfatizar que não fui, não sou e jamais serei séquito de ninguém, muito menos o seria de Bonifácio Gruveta ou do Dr. Manuel de Araújo, simplesmente porque a minha fibra não foi feita para prestar vassalagem a ninguém. Se alguma vez defendi ou reconheci talento profissional deste ou daqueloutro, contra a vontade de quem tenha sido vítima do meu homenageado, fi-lo e fá-lo-ei instigado por convencimento pessoal e de um intenso exercício de reflexão. Não tenho vocação para me atrelar a sentimentalismos pessoais ou colectivos de quem quer que seja, as amizades que tenho, faço-as por merecer e são gratuitas.  

O que mais me irritou no seu artigo, devo confessar, foi a conclusão a que chegou o Autor, num tom de monarca para não dizer de califa, colocando em dúvida as minhas palavras sobre o que teria dito o saudoso Dr. David Aloni em relação ao general Bonifácio Gruveta, acusando-me, de seguida, de impostor. Caramba, já se advinha que nos próximos tempos teremos no país “arqueólogos do pensamento humano”, em substituição dos videntes, especializados em medir com a fita métrica a veracidade de uma confissão, apenas porque não testemunhou, por isso não deve levar à letra aquilo que lhe fora dito ou que lera nalguma imprensa. Pois não é tarefa minha provar por (a+b) o grau de intimidade que tinha com o saudoso Dr. David Aloni (de quem ganhei muita experiência de vida).

E mais, o Mestre Aloni não demonstrava problemas de insanidade mental para me fazer engolir, por via da mentira, os seus sentimentos. Não me lembro de uma única vez de o Dr. David Aloni ter falado mal do general Bonifácio Gruveta, pelo contrário, não só eram amigos como juntos tentaram ressuscitar a Zambézia da sonolência em que se encontra mergulhada, mormente quando o Dr. Aloni desempenhara, entre outras, a função de director delegado da ENACOMO. Outro veredicto que pude constatar é que o Dr. David Aloni não tinha problemas nenhuns em reconhecer a excelsitude do trabalho alheio, fosse de quem fosse, independentemente da cruz que tal pessoa carregasse, era o primeiro a “tirar o chapéu”. Quantas vezes o Dr. David Aloni não denunciou o passado político do seu conterrâneo e coronel na reserva Sérgio Vieira? Quantas vezes, por assim dizer, o Dr. David Aloni assumiu concordância pública com uma ou outra ideia do então parlamentar e director do GPZ, coronel Sérgio Vieira? Isto valeu-lhe, ao Dr. David Aloni, uma descarga eléctrica por parte da direcção máxima da Renamo e não só, mas também de alguns abutres cujos nomes preservo, que o queriam “abater” de qualquer jeito. Vezes sem conta fui chamado por ele para desabafar e limpei suas lágrimas, enquanto dizia-me estas palavras “Chaleca, tenhas cuidado com estes” (indicando-me uma lista de nomes).
     
“Ouviste bem Chaleca? o fundamental quanto necessário é não espingardeares a estes tipos (alguns nomes nem o próprio Aloni revelou no “CENTELHAS”, mas certamente o faria na obra que iria publicar), e sim ter a bitola de um cristão, saber perdoar e reconhecer que acima de nós há um tribunal que não dorme, não vacila, tarda mas não falha”. Mas atenção, antes de enviar para o fórum privado as conversas que tive com o Dr. Aloni, devo dizer que por ter sido amigo dele, não faz de mim um “ser especial”, e sim um privilegiado porque o Dr. Aloni era de uma doçura de alma, pureza de coração. Era poeta, portanto, inofensivo no pensamento e no carácter.

A mensagem que deixo ao Autor é no sentido que não podemos ser rancorosos nem comarcas dos erros sepultados no “cemitério da reconciliação nacional”. Perdoar não é esquecer. É renovar a alma. É por essa razão que o senhor Lutero Simango, movido pelo espírito de perdão e de Cristão, deu o último adeus ao seu colega de profissão na Câmara dos Deputados. Quantas vezes precisaríamos de ajustar as contas cada que alguém nos magoasse? É uma pergunta que o Dr. Eduardo Mondlane fez ao mestre Malangatana. E o senhor Lutero Simango sabe quanto vale o significado da palavra perdão.

No meu mundo contam-se CINCO pessoas que perdoaram os seus carcereiros da liberdade (vou excluir o meu progenitor e o meu tio), nomeadamente: Cristo, Nelson Mandela, David Aloni, Xanana Gusmão e os irmãos Simango (Davis e Lutero). Acrescentaria mais duas (totalizando SETE): Eduardo Mondlane e Malangatana Valente Ngwenya. Isto comove-me, o perdão!

E termino com uma frase de Federico Mayor Zaragoza, ex-director da UNESCO: “gosto de pensar na história como se fosse o retrovisor dum automóvel para onde temos de olhar continuamente para conduzir bem. Temos por isso um dever de memória, mas memória do futuro. O futuro é a nossa grande riqueza, porque, como dizia o grande poeta António Machado, ainda não está escrito: penso efectivamente que podemos escrevê-lo doutra maneira e que é possível mudar o rumo”. 'Kochokuro' (Obrigado). gentoroquechaleca@gmail.com

PS1: Definitivamente, torna-se cada vez mais uma tarefa difícil manter a minha presença neste espaço. O garimpo em busca das fontes urge. Dizem os mais entendidos da minha terra que recuar não é fugir, é buscar novas forças para outras empreitadas. Entretanto, cá estarei sempre que a campainha da urgência tocar e o tempo o permitir.     

PS2: Diz o brocardo macua que ficar atrás não significa negar a viagem. Espero, porém, ir a tempo de puder apanhar o comboio da felicidade (que carrega as mensagens de felicitações ao Jornal Wamphula Fax), pelos 10 anos dedicados à informação, desejando a gazeta a continuação de um bom trabalho.

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