quinta-feira, novembro 10, 2011

Ensino formatado (Concl.)

Por Ricardo dos Santos

Ora, que se saiba, até agora, os continuadores de Samora Machel têm pintado no exterior a imagem de um país, fonte inesgotável de recursos naturais primários isentos e majestáticos; mão-de-obra barata e não qualificada; e de uma elite, cujo ponto forte é a economia de serviços Portanto, aos olhos do concerto de nações, somos uma prole de 20 milhões de consumidores terciários de produtos já manufacturados.

Logo, o ensino, no estágio actual, justifica perfeitamente os interesses de quem cá vem investir para extrair recursos. E de quem os convida a fazê-lo também. E abre as portas para imigração laboral de pessoal qualificado excedentário ou mal remunerado, como nos mostra o recente caso dos 120 trabalhadores ilegais indianos da KENMARE (que vinham substituir os locais, de menor produtividade, qualificação e que custam mais dinheiro ao capital). E se mais houvera, lá chegara, pois na visão intelectualidade local, melhorar a qualidade do trabalho dos moçambicanos é coisa para “chatos” como o director executivo da Riversdale/Rio Tinto Moçambique, Steve Mallyon, que avançou que a sua instituição tem, de facto, contratado diversos bens e serviços de terceiros, porém, há poucas empresas moçambicanas a prestar serviços à mineira.

Há, segundo Mallyon, mais empresas sul-africanas e zimbabweanas a beneficiar das necessidades da companhia. É que, segundo ele, as Pequenas e Médias Empresas (PME) moçambicanas não se aproximam da instituição, tal como acontece com as empresas da mesma classe dos países vizinhos. Acresce-se o facto de muitas das empresas nacionais não disporem de capacidade de prestação de serviços com qualidade que responda aos anseios dos mega-projectos.

Normalmente, os mega-projectos demandam produtos e serviços relacionados com engenharia geotécnica e de fornecimento de equipamento de indústria, incluindo serviço de manutenção de infra-estruturas; gestão e funcionamento organizacional; assessoria e comunicação e tecnologias; construção e electricidade; transporte, logística, segurança e limpeza e medicina e meio ambiente. Trata-se de produtos e serviços pouco oferecidos e prestados pelas pequenas e médias empresas moçambicanas ou, ainda, se disponíveis, a qualidade é má.

E mesmo assim, como vimos recentemente na 27ª melhor universidade de África e há mais de uma década num extenso espectro do ensino primário e secundário; os bacharelatos e as licenciaturas “fast-food”, bem como as passagens semi-automáticas são para continuar e com mais vigor, pois constituem a melhor expressão do nosso “affirmative action”, tal como defendido – imagine-se - pelo Sr. ministro da Educação. Diz-nos aquele quadro superior que, a repetição de classe não melhora a qualidade do ensino, pois emite uma mensagem negativa aos moçambicanos – subentende-se negros – de que são incompetentes, contribuindo para a desistência destes em aprender.

A isto, chama-se persistência formatadora e paternalismo, personificados pelos estrategas da Educação, formatando e contaminando pandemicamente franjas consideráveis da nossa população com apologia ao facilitismo e à preguiça, que nem master-plans, bolsas de estudo e formações IT de quadros do Estado pagas a peso de ouro, poderão suster a incongruência de gastar dinheiro para formar pessoas que gostariam mais de ir à reuniões diárias para decidirem como vender galinhas aos fins de semana.

Outro aspecto que importa realçar, e nós não termos sido capazes até agora de moldar um sistema educacional estável. Parece-me que a cada legislatura, há novas experimentações no Ensino. Ora, assim não é possivel avaliar criticamente o que se faz. O que diz o representante da Riversdale/Rio Tinto Moçambique sobre as empresas da RSA, é a consequência de uma reforma educacional que começou em 1948 assente em três princípios orientadores. O ensino básico, com ênfase na Matemática, Química e Física; ensino médio, com especialização técnico-profissional; e o ensino universitário exigente e de acordo com padrões do primeiro mundo. Lembrando sempre que este foi um esforço titânico de 20 anos, à custa do endividamento do estado sul-africano. Anos depois, a então Rodésia do Sul (hoje Zimbabwe) seguiu-lhe o exemplo. E nós, o que estivemos a fazer?

Nós, ainda não somos capazes de saber o que fazer com o nosso ensino. O que não espanta, pois nem sequer uma agenda 20/25 aprovada conseguimos consensualmente implementar. Portanto, de conversa sobre ensino por aí, há muitos falastrões a ganharem rios de dinheiro com consultorias, workshops e passatempos de conteúdo duvidoso para entreterem as massas. Tomar as rédeas do assunto, e fazer coerentemente uma reforma abrangente e definitiva. Valeu o método quinquenal das tentativas. Talvez assim, os estrategas da Educação nos quisessem dizer que o rácio de analfabetismo cultural e funcional em Moçambique irá estabilizar dentro de algum tempo na casa dos 80%25, para que daqui a uma década possamos ter finalmente os 20%25 esperados de génios. E depois, vamos educar o sistema solar inteiro...

Fonte: Jornal Notícias - 10.11.2011

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