quarta-feira, fevereiro 04, 2015

"Quem deu ordens para a fraude, a fim de arrancar a vitória, tinha consciência (ou devia tê-la) de que as consequências poderiam ser estas que agora estamos a viver"

MARCO DO CORREIO por Machado da Graça

Meu caro Júlio

Espero que estejas bem de saúde, assim como toda a tua família. Do meu lado está tudo normal.

O que não está nada normal é o estado em que está o nosso país. De dia para dia a tensão aumenta e qualquer faísca pode fazer-nos mergulhar outra vez no tiroteio.

A sensação que eu tenho é que nenhum dos lados, Governo e Renamo, sabe qual é a saída para este impasse e, portanto, ambos os lados estão a fugir para a frente. E, para a frente, significa o desastre.

Ou, talvez seja melhor dizer que ambos os lados sabem qual é a saída mas nenhum está disposto a seguir por esse caminho porque isso afectaria a sua imagem pública.

Na verdade a única saída são as cedências políti­cas de parte a parte e nem uns nem outros parecem dispostos a fazê-las.

Um dos lados teria de procurar compensar o gravíssimo erro (crime) que foi organizar a fraude eleitoral generalizada a que todos assistimos excep­to um grupo de sisudos juízes-conselheiros. O outro teria de parar de fazer pressão através de ameaças de violência e de divisão do país.

Quem deu ordens para a fraude, a fim de ar­rancar a vitória, tinha consciência (ou devia tê­-la) de que as consequências poderiam ser estas que agora estamos a viver. Mas preferiu arriscar, confiante de que a Renamo iria, mais uma vez, engolir o sapo. Só que, desta vez, a Renamo pa­rece que não o quer fazer e que está disposta a conquistar a tiro aquilo que afirma que lhe rou­baram nas urnas.

O Governo e o partido Frelimo parecem também confiar no facto de ninguém querer a guerra no país. Mas eu chamaria a atenção para um aspecto estranho: foi depois de mais de um ano de combates, na zona Centro, que Afonso Dhlakama passou a ser recebido com banhos de multidão. E esses banhos continuam ainda hoje, apesar dos seus discursos ameaçarem com a violência.

Aparentemente a violência, e a ameaça de vio­lência, estão a jogar a favor da popularidade de Dhlakama e não contra ela.

Em compensação, o Governo e o partido Frelimo não conseguem mobilizar quase ninguém para as ruas e praças. Nem na tomada de posse de Filipe Nyusi esteve presente uma multidão como as que cercam o dirigente da Renamo. Nem nada de pa­recido.

O resultado disto é que estamos todos sentados em cima de um barril de pólvora com as duas partes a correr à volta dele com fósforos acesos.

O meu conselho para os mais loucos é que não se repita um episódio do tipo Sadjundjira. Isso poderia ser o desastre total.

Um abraço para ti do


Machado da Graça

Fonte: Correio da Manhã in Mocambique para todos - 04.02.2015

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